Forrest Gump: a busca pelo sentido da vida

“A mamãe sempre dizia que a vida é como um caixa de bombons. Você nunca sabe o que vai encontrar.” 

Essa frase é pronunciada repetidas vezes por um dos personagens mais icônicos e belos da sétima arte, a saber, Forrest Gump. Ao ouvirmos tal frase, aparentemente simples, sentimo-nos extremamente tocados e passamos a refletir sobre o seu significado, já que uma das nossas maiores inquietações existenciais é saber o que de fato é a vida.

O filme do diretor Robert Zemeckis é uma daquelas obras em que tudo está em seu devido lugar e se encaixa perfeitamente. Através de uma história simples, o filme consegue trazer reflexões filosóficas profundas e, o mais importante, de um jeito poético, leve e lúdico. É uma das poucas obras, sejam livros ou filmes, em que essa filopoesia funciona perfeitamente. Como é um filme grandioso, há várias interpretações sobre ele, mas acredito piamente na mensagem que sinto toda vez que assisto, qual seja, a inquietude diante da vida, da qual pouco sabemos ou não sabemos nada, e o que devemos fazer durante a nossa caminhada, ainda que não saibamos verdadeiramente como é o fim da estrada.

A trama se desenrola a partir do olhar de Forrest, um garoto com QI abaixo do normal, problemas nas costas e que, portanto, é considerado um idiota. No entanto, apesar desse jugo que recebe, sua mãe nunca deixou que Forrest se sentisse como tal, permitindo, desse modo, que ele não se considerasse um idiota, uma vez que, para ele, como sua mãe lhe ensinou, “Idiota é quem faz idiotice” – e isso ele não fazia.

Todavia, ainda que não fosse um idiota, Forrest era puro e via o mundo sem pré-julgamentos, o que alguns interpretam como a imagem do cidadão americano idiotizado e facilmente influenciado pela mídia, mas que percebo como o desenrolar histórico visto e interpretado por alguém que, na verdade, foge a esse protótipo do homem comum americano, proporcionando-nos, assim, interpretações diferentes do senso comum, o que dificilmente aconteceria se o protagonista fosse representado por um típico americano encaixado em todos os perfis determinados pela sociedade, como ser bonito, inteligente e popular.

Sendo assim, por meio do olhar puro de Forrest, passamos a analisar com mais profundidade todos os acontecimentos vividos pelo protagonista, com nossos próprios olhos, questionando cada atitude tomada, isto é, buscando a essência das coisas. Se Forrest não fosse esse indivíduo visto como um idiota, as suas percepções acerca do mundo seriam apenas mais uma dentre tantas e não conseguiriam dar profundidade ao filme.

A profundidade do filme vem precisamente de Forrest e do seu olhar único diante da vida, do seu existencialismo risível. Ao se deparar com um mundo sem sentido e absurdo, que o olha como um estranho, Forrest busca viver, experimentar o mundo e tirar suas próprias conclusões. Não é um homem extremamente racional, e não o é somente por ter um QI abaixo do normal, mas, sobretudo, por saber que não controla quase nada e que a única certeza que possui é que está vivo e que, enquanto está vivo, deve fazer o que realmente quer, o que o seu coração deseja e lhe apraz.

O existencialismo do jovem do Alabama se manifesta no sentido de que a sua vida corre de forma leve, natural, fluída e, assim, consegue participar de diversos momentos históricos importantes, inclusive de uma guerra, tornando-se um herói nacional, sem que isso seja algo assustador ou difícil de lidar. Pelo contrário, tudo isso é natural, pois faz parte da vida, acontece independentemente da nossa vontade. A única coisa que nos cabe é saber como lidar com esses acontecimentos fortuitos e incontroláveis.

Não se trata de ser descomprometido com tudo ou de não ter ligação com nada, pois, apesar de possuir suas convicções e de ter sentimentos verdadeiros, como pela sua mãe, pela Jenny, pelo Bubba e pelo Tenente Dan, Forrest sabe que a vida é muito mais complexa do que pode compreender e que, por mais que tente, ela sempre parecerá absurda e sem sentido, como lembra a filosofia de Sartre, Nietzsche e Beckett.

Desse modo, Forrest vive sua vida de modo episódico, como de fato ela é, como lembra Kundera, ao dizer que, na vida, não há oportunidade para ensaios, pois os ensaios já são a própria vida. Ou seja, não há como se preparar para o que acontecerá, pois, na maior parte do tempo, não sabemos o que vai acontecer. Não controlamos o tempo, tampouco os acasos. Forrest sabe disso e, por mais que seja desorientado e esteja sempre “correndo” de um lugar para outro, , por isso entende com naturalidade o que acontece, pois sabe que certas coisas acontecem, por mais que não queiramos, como, por exemplo, a morte.

“Mamãe sempre dizia que morrer faz parte da vida. Eu queria que não fizesse.”

Forrest é comprometido com a vida, mas aceita que existem coisas sob as quais não possui controle e que, na maior parte do tempo, devemos ter maturidade para aceitar essa incongruência, bem como ter a capacidade de fazer muito mais com o que a vida faz conosco. Isto é, a força do acaso não é passível de controle, mas não é por isso que devemos viver de qualquer forma. É preciso também acreditar que somos capazes de, nos momentos em que a vida nos dá a oportunidade de controlá-la, sermos fortes, corajosos e, acima de tudo, fiéis ao que nós somos, pois a real inteligência é saber que, embora existam coisas que não se pode mudar, há sempre algo novo a se fazer com aquilo sobre o que temos controle.

“O tenente Dan viu que tinha coisas que não podia mudar.”

Saber o que, de fato, é a vida, qual o seu sentido e o que estamos fazendo aqui é um grande mistério. Existem muitas respostas, mas nenhuma responde satisfatoriamente a todos. Sabemos que nem tudo é controlável. Sabemos que a vida é breve, é fugaz, é passageira e não aceita rédeas. Nós estamos apenas imersos nisso, flutuando como uma pena, sem destino certo. Ou talvez estejamos vagando, à procura de um lugar onde possamos nos encontrar e entrar em contato com a vida de forma mais plena, buscando uma razão para viver e se dedicar. Ou, ainda, vivendo aquilo a que estamos predestinados a fazer, seguindo o caminho do qual jamais poderemos nos afastar.

Bom, talvez seja tudo isso ao mesmo tempo e pode ainda não ser nada disso. O fato é que, por mais que não tenhamos a resposta certa, que nem sempre existam pedras suficientes e, por vezes, a maré siga caminhos ocultos, a maior certeza que possuímos – e talvez a única -, é a que Forrest possui, de que estamos aqui e que, enquanto estamos aqui, devemos fazer o melhor com o que nos foi dado.

Nunca saberemos o que está por vir, se há um destino que inevitavelmente nos leva para algum lugar ou se estamos flutuando na brisa, mas o que fazemos nesse tempo é o que mais importa, fazendo, como disse Sabino – “[…] da procura um encontro” – e tendo a convicção de que, por mais que a vida seja uma caixa de bombons, fizemos o melhor com o que apareceu e tivemos uma vida importante e não idiota, já que idiota não é quem tem um QI abaixo do normal, mas é quem, podendo viver, faz a maior idiotice de todas: apenas existi.

“Eu não sei se mamãe está certa, ou se o Tenente Dan é que está. Não sei se cada um tem um destino ou se só flutuamos sem rumo, como numa brisa… mas acho que talvez sejam ambas as coisas. Talvez as duas coisas aconteçam ao mesmo tempo.”

Imagem de capa: Reprodução






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