Habilidades Sociais: A pele e o estigma

Por Priscilla Paiva

O campo de estudos das interações humanas é algo que intriga pesquisadores de diversas áreas como a Medicina, Antropologia, Sociologia e afins. Muitos campos que perpassam a Psicologia, como a Comportamental, Cognitiva, Social, Psicodrama dentre outras. Del Prette & Del Prette são pesquisadores que descrevem bem este campo tão fantástico das interações sociais humanas – as habilidades sociais.

O ser humano se encontra e reencontra na interação com o outro. Um campo de estudos aparentemente simples mas cheio de complexidades, desafios e novos aprendizados. Habilidades Sociais é referida por Del Prette como “diferentes classes de comportamentos sociais do repertório de um indivíduo, que contribuem para a competência social, favorecendo um relacionamento saudável e produtivo com as demais pessoas”.

Através da interação com o outro expressamos nossos sentimentos, emoções, dentre outros. O que nos limita no contato com o outro é a pele que nos separa em mundo interno e mundo externo. Este é o maior órgão do corpo humano. E pela pele que recebemos carinhos, afetos, amor. A pele é tanto o portal através do qual sentimos o mundo quanto projetamos nossos sentimentos pessoais. Nela vestimos carapuças, máscaras, nos escondemos, nos despimos, usamos tatuagens como estética ou como forma de nos escondermos também, além dos piercings e outros apetrechos.

É tudo através da pele que existe a expressão deste EU tão fantástico e glorioso que é o SER humano. A pele é a roupa que jamais tiramos. Assim como nossos sentimentos ela pode mudar conforme nosso humor e ocasião. Muitos estudos perpassam por este campo dermatológico e, como dito por Grosbart (1997, p. 125), “Praticamente todos os atos de amor e raiva envolvem um intercambio dinâmico na pele”.

As emoções, em geral, estão ligadas diretamente a ela. Existe uma relação simbiótica entre ela e o nosso sistema nervoso. É por ela que recebemos carinho, que podemos expressar sentimentos de ordem psíquica – interacionista. É, portanto, o órgão que nos separa da realidade física e psíquica. A pele proclama as emoções não ditas pelo corpo através do adoecimento psicossomático.

As manifestações psicossomáticas que ocorrem na pele podem ser uma forma de a pessoa se defender do mundo externo. Uma maneira de pedir ajuda de forma não consciente e também de manifestar sentimentos diversos a seu próximo.

As doenças psicossomáticas que se manifestam através da pele são diversas. Dentre elas, segundo Ballone et all (2007), podem ser citadas dermatite artefata, psoríase, urticária, vitiligo, dermatite atópica e herpes. Como dia 29 de outubro é dia mundial da luta dos portadores de psoríase, vamos falar um pouco mais sobre essa doença dermatológica que atinge milhares de pessoas em todo o mundo. Segundo Grossbart, 1997, p.132 “[…] os pacientes de psoríase constituem o grupo que aumenta com maior rapidez, refletindo uma nova abertura entre os dermatologistas com relação às abordagens psicológicas dessa doença”.

Até este século, não se entendia bem a doença. Somente em 1809, por exemplo, é que se distinguiu a psoríase da lepra nos Estados Unidos e na Europa. Na idade média, os portadores da doença eram declarados mortos pela Igreja ou queimados na fogueira. É interessante observar que as sementes dos sucessos modernos já eram identificados na Pérsia medieval, do tratamento bem-sucedido da psoríase, em que o impacto emocional é grande. (GOLEMAM apud GROSBART, 1997, p.132).

Antigamente a Psoríase era comparada à lepra (hanseníase). No antigo testamento, podia-se notar que muitos portadores de psoríase eram rejeitados pela comunidade por desconhecimento da moléstia (SABBAG, 2006). De acordo com Sabbag (2006, p.25), “[…] estima-se que no Brasil há em mais de três milhões de portadores. Onde estão todas essas pessoas? Por que a mídia pouco comenta a respeito? Essa desinformação certamente contribui para manter o estigma social.”

No que tange ao preconceito, este esbarra nas habilidades sociais e é percebido que o portador tende a desenvolver doenças psicológicas justamente por não se aceitar como portador da doença, e acaba por ser excluído da sociedade por ser “diferente” dos padrões estéticos aceitos. O doente tende a se esconder seja com roupas que tampem as lesões ou em ambientes nos quais ele não é visto ou percebido. Fator que é grave à boa manutenção e ampliação de repertório de habilidades sociais. Estudos comprovam que os portadores da doença desenvolvem desde o aparecimento das lesões doenças ainda mais gravosas como depressões, ansiedades, e fobia social. As pessoas se sentem constrangidas no contato interacional com o outro.

Psoríase é uma afecção dermatológica de ordem desconhecida que perpassa vários fatores como biológico, psicológico e outros, acometendo o portador de lesões descamativas para as quais existe tratamento, mas não cura. Atualmente a sociedade tem tido mais conhecimento acerca da doença, porém brincadeiras e piadinhas sobre o adoentado são frequentes. O portador de psoríase, por ter uma doença de cunho psicológico, é visto como “desequilibrado”. Pessoas se precipitam em dizer e dar dicas de como não se estressar diante da vida.

Lembro-me de uma paciente que chorava ao contar sua história. Ela tinha a doença por todo o corpo. Um dia um familiar chega em sua residência e comenta que fulana de tal tinha essa tal moléstia e que era totalmente desequilibrada e “louca”. Ora, para um bom leitor compreender um texto é fácil. A paciente relata que naquele momento não sabia se chorava ou se sentia culpada por ter a doença ou se esganava o parente.

CULPA, MEDO, ABANDONO, DESAMOR, DESESPERANÇA E ATÉ MESMO SUICÍDIO. São palavras que passam pela cabeça do portador da doença. Ser diferente em uma sociedade é tão difícil de sobreviver quanto um cego em um tiroteio. Acredito que para que realmente consigamos viver em uma sociedade igualitária que consiga inserir mais as pessoas e não as excluir precisaremos evoluir bastante nesses quesitos.

Imagem de capa: Shutterstock/Timonina

Referências

DEL PRETTE Zilda a. p.; DEL PRETTE, Almir. Psicologia das habilidades sociais: diversidade teórica e suas implicações. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

GROSBART, Ted A. A pele: Problemas da carne. In: GOLEMAM, Daniel; GURIN, Joel. Equilíbrio Mente e Corpo: como usar a sua mente para uma saúde melhor. 1. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1997. Cap. 8, p.125-138.

PRADO, Marco Aurélio Máximo; VIANA, Frederico Machado. Preconceito, invisibilidades e manutenção das hierarquias sociais. In: Preconceitos contra homossexualidades: A hierarquia de invisibilidade 1.ed. São Paulo: Cortez, 2008. Cap.4, p.66-81.

SABBAG, Cid Yazigi. A Pele Emocional: Controlando a Psoríase. 1. ed. São Paulo: Iglu, 2006.






O Centro Mineiro de Habilidades Sociais é um ambiente que reúne profissionais e instituições da área de psicologia e correlatos e tem por missão promover formação, pesquisa e desenvolvimento (P&D) e intervenção com foco em Habilidades Sociais. O projeto tem como origem a parceria entre Priscilla Paiva e Rafael Sarto e a sensibilização desses profissionais para a relevância do tema Habilidades Sociais e sua potencialidade na modificação do comportamento, tanto em seus aspectos científicos (como área de estudo e intervenção) quanto em seu aspecto humano.