O Ato de educar: amor ou temor?

“A educação pelo medo deforma a alma”, já dizia o célebre escritor e professor brasileiro Coelho Neto, nos idos do século XIX. A primeira vez que li esta frase fiquei pensativa: educação e medo precisam conviver? O que seria educar? Para responder a esta pergunta voltei mais um pouco no tempo, no século XVIII e recorri à Rousseau, filósofo e educador suíço, um dos mais importantes do nosso tempo. Para ele, educar funde-se com a própria vida, já que desde o nascimento o homem inicia um eterno processo de aprendizagem. A educação é o processo que nos leva à humanização. É ela que proporciona a transformação do sujeito que somos, ao que poderíamos ser, mostrando que somos seres em construção, com possibilidades e potencialidades. Assim, o centro do processo educativo torna-se as próprias pessoas, pois precisamos umas das outras para que isto ocorra, sendo no período compreendido como infância o momento mais rico para que a educação ocorra, especialmente a educação moral.

Desta forma, Rousseau coloca a educação para a autonomia como um dos pilares da formação humana, afirmando que ninguém tem o direito de submeter outro aos seus desígnios, mas sim orientá-lo, para que ele aprenda a tomar as próprias decisões no futuro. Diante disso, a ameaça e a imposição do medo não combinam com uma educação autônoma, tampouco com uma sociedade que queira viver apoiada em valores como respeito, amor e paz. Contudo, para que nós, educadores, consigamos educar para os valores que tanto desejamos ver em nosso mundo, é necessário “ver” as crianças que estão sob nossa responsabilidade, isto é, entendê-las no seu processo de crescimento, na sua “inteireza”, na sua natureza. Rousseau dizia que tudo o que não temos ao nascer e de que precisamos quando adultos nos é dado pela educação, mas o que estamos dando? Medo e ameaça são “presentes” que devem ser dados? Pensemos agora, adultos, como nos sentimos quando alguém nos ameaça? Será que as crianças realmente merecem isso?

Veja, é por meio da educação que a criança ingressa de forma progressiva na sociedade e deve ser vista como um sujeito que ainda está aprendendo sobre este mundo, que não o entende e que precisa de um adulto para orientá-lo. Como queremos que nosso filho ou aluno olhe para o mundo? Como queremos que eles entendam este mundo? Que mundo estamos apresentado para eles através de nossas palavras e ações? Queremos que nossos filhos e alunos sejam guiados pelo medo? É isso que efetivamente desejamos para o futuro deles? Que sigam as regras porque têm medo da punição?

Para Rousseau, o modo como deve ser exercida essa educação perpassa o exemplo e a experiência, sem discursos agressivos, partindo da realidade infantil, com seus limites e possibilidades. Neste ponto pergunto: o quanto conhecemos sobre as crianças? Ele afirma, ainda, que pais e mestres nunca acham cedo demais para bater ou ameaçar uma criança, sem perceber que atitudes como esta podem gerar problemas na sua socialização e na sua psiquê, tanto infantil, quanto adulta.

Pensemos juntos: quando uma criança é ameaçada para que tenha o comportamento que desejamos, estamos, na verdade, evidenciando nosso desequilíbrio interno diante de não saber o que fazer na situação. O adulto, ao ameaçar, está dizendo para a criança que ele tem, de fato, um grande medo de perder o controle sobre a situação.

Assim, ameaçar, bater ou gritar funciona apenas como descarga da tensão que o adulto traz dentro de si, não educando efetivamente, apenas “adestrando” (a criança terá o comportamento desejado apenas quando o adulto estiver por perto, pois é movida pelo medo: sem o estímulo do medo, ela faz o que deseja; e não por que foi convencida de que o comportamento era inadequado). Como resultado das ameaças, observamos crianças com um nível elevado de ansiedade, medo e angustiadas. Emoções que podem desencadear comportamentos reativos, como confronto com os educadores, roer as unhas, ter dificuldade em largar a chupeta, dificuldade na aprendizagem ou algum “tique”, por exemplo.

Uma criança que é “educada” por meio de ameaças e medo vive num constante estado de alerta, ela não relaxa para viver a situação com naturalidade. Isso diminui as chances dessa criança aprender novas formas de se expressar, conversar e entender os seus limites e possibilidades. É uma criança com dificuldade de ter iniciativa e de expor os seus reais sentimentos, culminando em manifestações de agressividade para com os educadores e colegas.

O que fazer então? Alguns caminhos surtem o efeito desejado, ou seja, educar para o respeito às regras e ao outros e não para o temor: conversar e fazer combinados. Um exemplo prático: na roda inicial, construa a rotina do dia com a criança! Pegue uma folha, canetas e mostre à elas tudo que será feito naquela manhã: qual será a primeira atividade? Qual será a segunda? A terceira? E depois faça os combinados antes de cada atividade, sempre dialogando. Pendure ambas as folhas na parede (ideal que use escrita e desenhos, que podem ser elaborados pelas próprias crianças). Reforce os combinados sempre que necessário, pois as crianças ainda não têm a cognição tão desenvolvida como a dos adultos e precisam da repetição (um equívoco é organizarmos os combinados na segunda-feira, prendermos na parede e acharmos que eles seguirão à risca durante toda a semana!). Este é um momento que exige flexibilidade das professoras para ouvir como as crianças se sentem em cada momento: deixem que elas opinem sobre tudo e, assim, será possível orientar a partir do que elas estão elaborando sobre o mundo, oportunizando as mudanças necessárias. No período vespertino faça a mesma coisa: roda inicial, construção da rotina, construção dos combinados e reforço (com diálogo, elogios e sem ameaças!!!).

O resultado de tudo isso? Crianças mais seguras internamente, menos ansiosas, sendo orientadas positivamente, aprendendo a dialogar, a expressar seus sentimentos, mais compreensivas e mais calmas. Além de proporcionar a melhoria na socialização; no desenvolvimento do raciocínio, da memória, da imaginação e concentração, bem como a valorização da participação da criança no processo educativo, como sujeito de sua própria aprendizagem.

Assim, que tal trocar a “educação” pela ameaça e temor, pela educação pelo amor. É possível, é melhor, mais saudável, é mais humano e faz parte da sociedade que queremos construir!






Sou formada em Psicologia (UFSC), Mestre em Educação (UCS/RS) e Doutora em Educação (UFS). Atuo com psicologia clínica e escolar, formação de professores e docência universitária. Sou pesquisadora, escritora e palestrante, amante de viagens, natureza, dança, yoga, artes e, é claro, psicologia/educação!