O inferno são os outros?

Frequentemente, reclamamos ou ouvimos críticas aos que não assumem suas falhas e buscam justificativas absurdas para seus erros, colocando a culpa em outra pessoa. É provável que ao ler isso você se lembre de alguém que age assim e, talvez, alguém que leia isso se lembre de você.

Na tentativa de justificar uma ação errada podemos atribuir sua causa à outra pessoa ou situação independente de nós, nos livrando da culpa, ainda que isso não seja condizente com a realidade. Essa atitude denuncia a dificuldade ou incapacidade de admitirmos nossas faltas e assumirmos a responsabilidade e consequências das nossas escolhas cotidianas.

O caos no trânsito serve de argumento para o atraso àquele compromisso; estacionar em local impróprio é justificado pela escassez de vagas; jogar lixo no chão é compreensível devido à ausência de lixeiras próximas; e a culpa pela péssima nota naquela prova? Óbvio que é do professor incompetente. A lista de argumentos de defesa e culpados é variada, criativa e hipócrita: vão do clima ao poder público, passando até pelo azar e a astrologia! Enfim, para algumas pessoas, a culpa é sempre dos outros.

Quando não suportamos olhar para nossas imperfeições ou receamos pelo julgamento alheio, procuramos um responsável externo e delegamos a ele um sentimento desagradável que nos pertence: a culpa. Os motivos que levam a buscar outro culpado para nossos próprios erros são diversos e, por vezes, inconscientes, como a necessidade de se sentir superior, o medo de ser criticado ou de não ser admirado.

Como forma de defesa psíquica, projetamos nossas dificuldades e deficiências no outro, evitando enfrentar nossas falhas, nos distanciando dos defeitos e nos sentindo fantasiosamente mais perfeitos. Essa atitude diminui a angústia e promove uma passageira sensação de alívio. Contudo, não seremos menos responsáveis se convencermos os outros que não somos culpados por não guardar o lixo no bolso ou na bolsa na falta de uma lixeira ou, ainda, por roubar a vaga de estacionamento que não nos pertence, mas que nos é conveniente.  

A responsabilidade pelas decisões que tomamos é nossa e é intransferível. Aquela prova não seria tão difícil se tivéssemos nos empenhado em estudar. Se nos atrasamos foi porque acordamos tarde ou não nos organizamos. Cada vez que justificamos nossas faltas com um causador externo, comprometemos mais a nossa credibilidade pessoal e profissional.

Olhar com maturidade e naturalidade para nossas falhas, mesmo que isso frustre o desejo infantil de perfeição, nos aproxima de nós mesmos, possibilitando que exploremos nossas capacidades e trabalhemos as dificuldades. Esse processo nos distancia do receio de assumirmos os deslizes como se a culpa implicasse em sermos castigados. Abandonando comportamentos infantis, tomamos os erros como oportunidade de aprendizado e crescimento pessoal. Mais seguros, não necessitamos encontrar falsos responsáveis por nossas falhas, nem tememos a angústia causada por elas.






Psicóloga clínica com enorme interesse nos processos e mecanismos envolvidos nas interações e comportamentos humanos. Com orientação psicanalítica, mantém uma abordagem integral do ser humano e sua subjetividade. Graduada pela Universidade de Passo Fundo (UPF) e pós-graduanda em Dinâmicas das Relações Conjugais e Familiares pela Faculdade Meridional (IMED). .