O que os Relacionamentos fazem de nós?

Se pudéssemos ouvir as queixas nas sessões de terapia, seria possível constatar que muitas reclamações giram em torno das dificuldades relacionais.

As relações entre pais e filhos e as ligações amorosas destacam-se como focos de queixas.

As relações parentais ganham importância pela intensidade e permanência do vínculo entre pais e filhos. Já o amor romântico e sensual, com seu forte poder de causar sensação de completude nos amantes, tem peso quando julgamos se alguém é ou não feliz.  Não é à toa que os namorados costumam se referir aos parceiros como a ‘cara-metade’.

Essa característica tem feito da ligação romântica fonte contínua da inspiração dos artistas.

Ovídio, romano (43 aC-17 dC), notabilizou o poder do amor de atrair felicidade. Em ‘A Arte de Amar‘, ele nos convoca a: ‘estendermos redes de receptividade ao amor. Lançarmos a mão em acolhida e movermos nosso destino na direção desse afeto que a todos adorna de felicidade’.

Apesar do destaque dessas modalidades relacionais, as dificuldades para estabelecermos relações felizes não escolhem tipos de vínculos. Seja entre irmãos, pais e filhos; nas ligações amorosas e contatos da vida social, os relacionamentos têm o incrível poder de nos lançar aos céus ou nos soterrar no inferno emocional.

Assim, as teias relacionais, pelo peso que têm na felicidade humana, são o núcleo de interrogações profundas e têm sido objeto privilegiado da atenção de pensadores e estudiosos das Ciências Humanas e Sociais.

Quando se investiga as relações humanas, há muitos caminhos a seguir. Pensadores célebres traçaram mapas que tentam revelar um tortuoso território. Eles travam incessante trabalho para saber o que move as relações para o sofrer ou ser feliz.

Mas, dentre os caminhos possíveis, há a orientação do filósofo austríaco Martin Bubber (1878-1965), cujas contribuições podem ajudar a construir relações mais conscientes.

Em tempos em que as relações tendem à superficialidade e artefatos tecnológicos parecem ser mais atraentes que a presença humana, a visão de Bubber, por imprimir à natureza das relações caráter de reciprocidade e disposição ao encontro, não pode ser ignorada.

Na concepção bubberiana, o homem se define, sobretudo, pelo modo como tece relações. Bubber afirma que ‘o eu do homem é duplo’. Com isso, ele nos diz que o outro é indispensável à  felicidade.

Sua obra parte da premissa de que o homem é, antes de tudo, um ser de relações vocacionado ao encontro e tudo o que nega esse ‘chamado natural’ é foco de angústia.

No seu livro ‘Eu-Tu’, Martin Bubber defende que existem dois modelos de relações: o ‘Eu-Tu’ e o ‘Eu-isso’.

A relação Eu-Tu é de natureza subjetiva. Nela, a alteridade, a disposição de confirmação mútua, se revela como fundamentos da condição humana. Esse núcleo relacional refere-se às interações movidas pela reciprocidade e reconhecimento mútuo dos envolvidos como seres capazes do diálogo pelo encontro.

A relação Eu-Isso, por sua vez, dirige-se às necessidades objetivas da existência e tem por base a experiência e o aspecto útil da interação com a realidade. Pela relação Eu-Isso é que se dá o conhecimento do real, pois é nela que nos impomos ao mundo para transformá-lo pelo trabalho. As conquistas da civilização são frutos desse modo de relação objetivada.

O Tu não é necessariamente uma pessoa. É todo ser que esteja em uma relação subjetiva e face a face  (Deus, o homem, a arte, a natureza). O Isso é tudo com o que nos relacionamos como objeto de experiência e utilização.

Os dois tipos de experiências relacionais não são boas ou ruins em si mesmas. É o reconhecimento de como se dá a vivência do vínculo (Tu ou Isso) que lhe imprime um caráter apropriado.

Nas relações humanas, a distorção ocorre quando nos relacionamos coisificando o outro; ou seja, quando damos caráter instrumental aos relacionamentos, não reconhecendo o outro como parceiro face a face numa relação de reciprocidade e diálogo.

Fazemos isso quando manipulamos, seduzimos maquiavelicamente, controlamos, fingimos, violamos contratos implícitos, mentimos deliberadamente com interesses ocultos, enfim, quando negamos a confirmação mútua como pilar da relação.

A contribuição fundamental de Martin Bubber na compreensão do peso das relações na felicidade é a consciência de que não saímos impunes dos relacionamentos, uma vez que, se nós construímos as relações, elas também nos constroem. Para o bem e o mal.

A partir dessa consciência, é possível abraçar a construção de relações de consideração mútua por meio de atitudes como a empatia, a reciprocidade, o diálogo, a construção contínua da confiança e promoção mútua da dignidade.

Essas atitudes têm uma função tão crucial para a felicidade, que mais do que atitudes, elas podem ser consideradas tarefas humanizadoras da existência.

Bubber era um pensador espiritualizado. Ele acreditava que as relações se dirigem ao infinito ou ao próprio Deus.

Mas, para além de religiões, as relações podem fortalecer de forma consistente, nossa conexão com o mundo, com os outros e com nós mesmos.

E não é isso a própria felicidade?

Imagem de capa: Jacob_09/shutterstock






Psicóloga, Mestre em Educação, formação em Facilitação de Processos humanos nas organizações, a escritora é consultora organizacional há mais de vinte e cinco anos; É autora do livro: Itinerários da Educação no Banco do Brasil e Co-autora do livro: Didática do Ensino Corporativo - O ensino nas organizações. Mantém o site: BlogdoTriunfo que publica textos autorais voltados ao aperfeiçoamento pessoal dos leitores e propõe reflexões que ajudam o leitor a formar visão mais rica de inquietações impactantes da existência.