Participação do psicólogo após o desastre – PARTE 2

A Psicologia de Emergências e Desastres se fez presente em função da demanda que se apresentou a cada momento, a cada nova situação: transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), que foi o mais frequente; negação da nova condição de vida e de existência; quadros depressivos e ansiosos; vontade de acabar com a própria vida; sensação constante de impotência, especialmente por parte dos homens, os quais, culturalmente, naquela sociedade, aprenderam desde cedo que são os responsáveis pela estabilidade, principalmente financeira, da sua família.

Após o primeiro momento de apatia, de desorientação, veio a fase de desespero, quando as emoções permaneceram até o seu esgotamento. Foi nesse momento que, simbolicamente, as pessoas vivenciaram o “luto” do que foi perdido, o que foi de extrema importância para o processo de elaboração da vivência traumática. Em seguida, veio a sensação de culpa por não terem evitado a situação trágica. Naquele momento, como as situações não estavam sendo bem administradas (demora das respostas, burocracia na liberação de recursos etc), foi difícil a efetivação das ações, provocando um clima de apreensão, no qual o estado de alerta e o corpo pronto para se defender causaram inúmeras dores físicas e emocionais, denominadas doenças psicossomáticas, as quais afetaram todos os envolvidos direta e indiretamente.

A Psicóloga relata que após um mês de trabalho parecia que nada havia sido feito perante as comunidades devastadas pela força do vento e da chuva forte. No entanto, as reuniões organizadas pelos governantes do Município contribuíram para o processo de retomada do sentimento de comunidade. A maioria das pessoas atingidas verbalizou a vontade de que uma parcela dos recursos da Defesa Civil fosse investida na reabilitação dos clubes e das igrejas, espaços vistos como redes sócio assistenciais para ajudar os moradores a não abandonarem as propriedades, para reafirmar laços de comunidade entre as famílias atingidas, compartilhar emoções, tomar decisões coletivas e realçar o sentimento de pertencimento ao local.

Este sentimento de coletividade permitiu a retomada do processo de organização de grupos de terapia, composto de 26 alunos de uma Universidade Comunitária Regional, oito psicólogos da região e dois psicólogos vinculados à Prefeitura. A partir daí, foram organizados 27 grupos (de crianças, de adolescentes, de mulheres, de vizinhos, de idosos, entre outros) que se reuniam sexta-feira e sábado, cada um com a sua dinâmica de funcionamento. Conforme os grupos iam acontecendo, voluntários e psicólogos, também coordenados pelos dois psicólogos do CRAS, iam atendendo às pessoas com necessidade de assistência psicoterápica individual.

Assim, estagiários, voluntários, supervisores de estágio e a equipe de psicologia do CRAS redesenharam uma nova história para a inserção da psicologia no Município. Nos grupos eram trabalhados temas e sentimentos trazidos ou que emergiam após uma dinâmica. A psicologia teve papel importante para iluminar algumas ideias, sugerir novas formas de trabalho para a equipe, lembrar que um novo dia de sol era possível. Muitas histórias foram ouvidas atentamente, buscando fazer com que aquele momento fosse, realmente, de elaboração emocional da vivência e não de revitimização. A atuação dos psicólogos e das equipes de saúde mental foi fundamental pois implicou na estruturação das atividades de atenção primária em saúde que, por mais de 12 meses, manteve os grupos de vivência, as visitas domiciliares e, ainda, quando necessário, encaminhamento para a psicoterapia, ou seja, para uma rede de atenção após desastre, criada e mantida para acolher e atender à população. Aproximadamente um ano e meio após a tragédia, estava claro o quanto a ação da psicologia foi importante para as pessoas, para as famílias e para a sociedade.

 

 

 






Marina é de Salvador, Bahia, e morou em Londres por 5 anos. É psicóloga e concluiu o Mestrado em Gestão de Riscos e Desastres, em Londres. Deixou a cidade Londrina em agosto de 2015 para seguir outro sonho: tornar-se uma psicóloga nômade digital e morar em vários países da Ásia por um longo período de tempo. É amante da leitura, de viagens, da natureza e de psicologia. Atualmente, empresária proprietária da TOP Terapia Online, empresa especializada na prestação de atendimento psicológico online para brasileiros que moram em qualquer parte do mundo.