Pepa Pig e a Fase Anal (desenvolvimento infantil)

Antes de mais nada, imagino que mesmo que você não tenha uma criança menor de cinco anos em sua casa, de algum modo já ouviu falar da famosa porquinha que tem a mais compreensiva e disponível mãe do mundo, um pai paciente e incentivador de descobertas e um irmãozinho fofura que ama uma única coisa no mundo: “dinossauro”.

Para as mamães de plantão, nada do que disse acima  é novidade, e também todas essas características se tornam amedrontadoras por sabermos o quanto é difícil providenciar um formato familiar tão perfeito e saudável para os pequenos. Calma!!! O objetivo desse texto não é transformar ninguém em Sra. Pig, mas sim lançar luz sobre o que tem de tão nobre nesses porcos e suas pérolas.

Para tanto, quero associar a paixão das crianças pela Pepa com a fase pela qual muitas delas estão passando. São crianças entre dois e quatro ou cinco anos, a maior parte delas experimentando um pouco da independência dos pais promovida pela retirada das fraldas, por aprender a comer sozinho, por já dormir a noite toda tranquilo em sua caminha e também conseguir ficar mais tempo longe dos pais realizando tarefas que exigem deles novas potencialidades. (Já reparou que a partir dos dois anos uma criança pode ficar sem os pais nestes lugares onde tem espaço kids? Isso não ocorre aleatoriamente; tem a ver com essa fase de desenvolvimento).

Durante a fase anal, que vem em média dos 18 meses até os três anos, a criança começa a perceber que sua relação com o mundo não está totalmente protegida pelo amor dos pais, há que se fazer algo em troca, que se dar algo próprio que demonstre seu avanço e também um pouco de gratidão por todos os esforços. O grande tesouro dessa fase é o cocô. É através da retirada das fraldas que a criança vai entender o quanto coisas que ela produz gera expectativas e reações nos pais, que até então ficavam satisfeitos com truques, mas agora ficam na torcida a favor do vaso ou piniquinho.

Nesse período, ela também desenvolve uma posição desafiadora, pois agora tem o que dar ou não dar aos pais. Se estabelece aí a relação com a sujeira. Como os pais, que até então gostavam da criança cheirosinha, arrumadinha e educada, passam a falar de algo sujo, feio e fedido como algo tão importante?

A Pepa Pig passa a ser tão mágica por conseguir realizar na linguagem infantil e imaginária todas as necessidades afetivas da criança. O fato de ela ser uma porquinha faz com que a mãe a permita brincar com a lama. O fato de o pai ser tão incentivador faz com que ela tenha liberdade de se arriscar sabendo com quem contar caso se frustre. E o irmãozinho menor, com suas limitações naturais, faz com que ela se responsabilize e, ao mesmo tempo, seja paciente para poder tê-lo como companheiro. É perfeito!

Nós, humanos, somos obcecados pela perfeição, ficamos preocupados com o julgamento alheio, e isso nos impede de criar situações com as crianças que as ensine tolerância a frustrações, aceitação do imperfeito e resolução de problemas com tranquilidade e sem pressa. Que a mãe gostaria de levar seu filho pra brincar na lama como atividade de presente do dia dos pais? A Sra. Pig não tem 40 horas semanais para cumprir além de cuidar da casa, filhos, roupa e marido. Ela é uma porca!

Toda essa fase suja vai passar, e a maneira como os pais demonstram aos filhos que suportam tudo o que esse filho pode ser acaba ajudando ele a lidar com as próprias frustrações, imperfeições e inseguranças que o mundo sempre vai apresentar. Um filho é bonitinho, amado, parecido com os pais, mas também tem falhas, não sabe tudo o que os pais já sabem, nem sempre vai poder atender as expectativas e pode precisar de mais tempo do que o tempo que os pais têm para poder se desenvolver plenamente. Quanto mais os pais demonstrarem que “aceitam” e apoiam os filhos em suas fases de desenvolvimento, maiores são as chances desse filho retribuir com confiança e segurança em seus enlaces afetivos e realizações pessoais.

Quem nunca viu Pepa, vale a pena assistir pelo menos um episódio com um olhar mais ponderado, sem cobrança de ser igual, mas refletindo sobre o quanto a compreensão facilita lidar com as sujeiras do humano.

Abraços,






Psicanalista apaixonada pelo trabalho e pelos desdobramentos que o autoconhecimento pode proporcionar ao ser humano. Minha formação e desenvolvimento constante do olhar analítico me faz cada dia mais responsável e implicada com o compromisso de ser suave, acolhedora e continente das relações que permeiam a clínica. Formada pela Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP, em 2007. CRP 06/93867 Atendo crianças, adolescentes e adultos em consultório particular desde 2009, realizo psicoterapia com enfoque psicanalítico para pessoas com depressão, pânico, ansiedade, stress, disturbios alimentares, compulsões, dependência química, dificuldades de relacionamento e processo de luto.