Proteção de animais: fanatismo não ajuda!

Por Gustl Rosenkranz

O mundo moderno é infelizmente caracterizado por muita coisa ruim: muitas crianças não têm acesso à educação e passam forme, a riqueza do mundo é mal distribuída, com pessoas extremamente ricas e outras extremamente pobres, em muitos países, políticos corruptos se preocupam mais com as próprias finanças do que com o bem-estar do povo, fazemos guerra para que a indústria bélica possa vender armas, extremistas religiosos matam em nome de Deus, a natureza é destruída sem nenhum acanhamento, lidamos com animais de uma forma completamente desumana e perversa…

É mais do que compreensível de que muita gente esteja decepcionada com tudo isso e tente fazer algo para mudar. E é bom que haja gente que reaja, que se engaje, fazendo sua parte para melhorar o mundo, mas isso só poderá ser atingido com serenidade, com objetividade e com inteligência e não com (re)ações extremas, intolerância e fanatismo, seja religioso, político ou de qualquer outro tipo.

Percebo um forte engajamento de pessoas na área de proteção de animais, principalmente de cães. Por um lado, acho isso bom, mas por outro me assusta a veemência, a cegueira, a obsessão que temperam os esforços de alguns.

Basta observar o que se passa em redes sociais na internet para ganhar rapidamente a impressão de algo está errado. Sem dúvida, é certo que haja revolta quando alguém publica, por exemplo, uma foto de um cão sendo maltratado, algo desumano que jamais deveria ocorrer. Mas é de se estranhar que a foto de uma criança sofrendo não cause o mesmo fervor, não resulte na mesma revolta.

Continuemos no exemplo da foto do cão sendo maltratado: muitas pessoas, que se autodenominam “advogados dos caninos” se exaltam, protestam e comentam a foto de uma forma assustadora, desejando a morte para quem causou os maus-tratos, recorrendo a palavras feias, palavrões, ofensas, expressando ódio, manifestando um lado agressivo de zero tolerância, julgando e atacando sem qualquer objetividade, se comportando de uma forma pelo menos tão desumana e tão perturbada quanto a cena mostrada na foto.

Não, não critico os ativistas sérios, que realmente buscam melhorar o mundo e nossas relações com os animais, que agem de forma sensata, serena, objetiva. O que questiono são as excrescências, o exagero, a falta de lucidez e sensatez, o desvairamento daqueles que se comportam de uma forma fanática, que criticam a tudo e a todos que, em sua opinião, não são suficientemente bons para os animais. São fanáticos, que já perderam o tato para as relações humanas, que agridem em nome do combate à agressão e que fazem de tudo para proteger os bichos.

Sim, fazem de tudo, fazem até demais, sem perceber que eles mesmos terminam os maltratando, usando os animais para compensar sua insatisfação pessoal com o mundo. Sim, fazem demais, se agarram nos bichos em nome de uma justiça (divina?), criticam quem maltrata, mas também o fazem, mesmo que de uma forma diferente, aparentemente bem-intencionada, mas buscando no fundo somente contentar as próprias necessidades. É gente normalmente mal informada, mas que acha que sua verdade (mesmo que limitada pela desinformação) tem valor universal.

Gente assim “gosta” tanto dos bichos que querem transformá-los em gente, os enfiam em roupas e fantasias, paparicam, os enfeitam, dormem com eles na cama, escovam seus dentes, os colocam para fazer “macaquices” e arremedos cômicos para seu próprio divertimento, não permitem que eles vivam realmente de acordo com suas necessidades, os manipulam, os torcem e retorcem, forçando-os a serem aquilo que tais pessoas querem e não o que eles realmente são: animais.

Eu estava ontem numa área verde aqui próxima de minha casa, brincando com meu cachorro quando chegou uma vizinha e sua cadela. Uma vizinha, que é uma dessas “desvairadas” por cães, que não cansa de repetir que prefere cães a gente e que se sente encarregada pelo bem-estar de todos os cães do mundo, achando que o que ela chama de bem-estar é a verdade mais verdadeira e a única válida para toda a humanidade e para todos os cães. Portanto, uma fanática, que não entendeu que, além de preto e branco, existem no mundo vários tons de cinza.

Pois bem, ela chegou e sua cadela começou a brincar com meu cão, o que não funcionava bem, já que a coitada se comportava todo tempo de forma não menos neurótica que a dona, sendo muitas vezes extremamente agressiva, sem que houvesse motivos para tal. Eu já pensava em ir embora e poupar Don Juan, meu cachorro, de tal tortura quando passou um homem com seu cão preso na guia. O sujeito parecia ter pressa e passou direto, sem parar, conduzindo normalmente seu animal.

Minha vizinha fanática transformou-se de repente numa espécie de guerreira, de super-heroína, na protetora dos cães fracos e oprimidos e começou a gritar para o homem que passou que ele era desumano, que ele não sabia lidar com cães, um egoísta que não deixa seu cão brincar com outros, que ele não merecia ter um cão, que ele um dia iria pagar caro pela sua atitude, etc., etc., etc.

Quando ela se voltou para mim para continuar seu discurso de “protetora dos animais”, justificando seu ato e criticando mais ainda o sujeito, tomei a palavra e questionei seu comportamento. Questionei se ela realmente tem o direito de agredir alguém daquela forma e se ela deveria realmente julgar alguém que não conhece só porque ele se comportou de uma forma que ela não esperava, se ela não se precipitou em atacar verbalmente alguém que talvez só passou rápido por estar com pressa, por ter um compromisso, por precisar chegar rápido em algum lugar.

A mulher ficou desconcertada com o que eu disse, percebi que ela ficou até um pouco envergonha­da, mas desconversou, disse que tinha que ir para casa e foi-se embora.

Decerto esse é um exemplo extremo de distúrbio comportamental em nome da “proteção dos animais”, mas mostra bem o que quero dizer: não é com fanatismo que se muda o mundo. Extremos causam extremos, agressividade gera agressividade, intolerância provoca intolerância. Se queremos ajudar realmente os animais, temos que nos perguntar o que é melhor para eles e não o que é melhor para alimentar nossa frustração com o mundo e com os seres humanos.

Sim, devemos gritar e protestar quando animais são maltratados, mas devemos gritar e protestar como pessoas sensatas e inteligentes e não como loucos fanáticos. E o melhor método de mudar alguma coisa é começar dando exemplo e mostrando dessa forma como o mundo pode funcionar de uma forma diferente.

Imagem de capa: Shutterstock/gornostay






Escrevo sem luvas porque tocar é importante.