Psicopatia não é doença mental, mas sim resultado de adaptação da espécie humana, diz estudo

A psicopatia é um tema que, desde sempre, desperta interesse, e muito disso se deve à força de personagens inesquecíveis do cinema, como Hannibal Lecter e Norman Bates, que trazem na sua composisção traços característicos dos psicopatas, como manipulação, insensibilidade, agressividade, ausência de empatia e remorso, falta de emoção e narcisismo.

No entanto, mesmo que o interesse e o fascínio pelo tema seja grande, a maior parte das pessoas ainda sabe muito pouco sobre o assunto. Muitos acreditam, por exemplo, que todo psicopata é um homicida, quando isso não está nem perto da verdade. O desejo de tirar a vida de alguém é apenas uma manifestação extrema desse perfil, de modo que é possível que muitos de nós tenhamos em nosso convívio pessoas com traços de psicopatia.

Mas a psicopatia não é assunto completamente compreendido nem mesmo entre os estudiosos sobre o tema. O assunto tem sido discutido há séculos. Nos últimos tempos, no entanto, as causas desse comportamento, que sempre foram nebulosas, começam a ganhar corpo. Pesquisadores canadenses classificaram a psicopatia não como uma doença mental e sim como uma estratégia de adaptação de vida, promovida pela seleção natural ao longo da evolução humana.

Os pesquisadores chegaram a essa conclusão depois de revisar 16 estudos já publicados sobre o assunto, que incluíram 2 mil indivíduos. O estudo, que foi publicado na revista Evolutionary Psychology, aponta que, embora a origem dos transtornos mentais não seja totalmente compreendida, perturbações que afetam o neurodesenvolvimento podem contribuir para isso. Deste modo, para a psicopatia ser considerada uma doença mental, deveria haver uma maior prevalência de alterações do neurodesenvolvimento em psicopatas, em comparação com a população em geral.

Os resultados revelaram que não há maior prevalência desse tipo de problema entre pessoas com comportamento psicopata. De acordo com os pesquisadores, isso pode ser um indicativo de que a psicopatia não é uma doença mental e sim uma característica pessoal, fruto da seleção natural da espécie. Eles fundamentam sua conclusão no argumento de que os mesmos atributos que tornam os psicopatas pessoas desprezíveis pela sociedade atual, como falta de remorso, agressividade e desrespeito pelo bem-estar dos outros, podem ter sido motivo de vantagem, em um mundo onde a competição por recursos era intensa.

Para o psiquiatra Sérgio Rachman, coordenador do Centro de Estudos em Psiquiatria Forense e Psicologia Jurídica (CEJUR) da Unifesp, não há um consenso de que a psicopatia seja uma doença.

“Eu sou bastante crítico de que a psicopatia seja uma doença. Eu acho que ela está muito mais para um padrão de comportamento, que em determinados momentos possa ter trazido vantagens evolutivas para as pessoas, mas hoje, é reprovado pela sociedade. Acho que essa é uma hipótese plausível”, afirma o psiquiatra.

Rachman pondera que há uma questão potencialmente mais grave ao enquadrar a psicopatia como uma doença. Pessoas com doenças mentais podem ser consideradas incapazes de responder por seus atos e, muitas vezes, não são penalizadas quando cometem crimes. Mesmo que a maioria das pessoas com traços de psicopatia não se tornará um criminoso, há uma maior quantidade de psicopatas entre criminoso. Sendo assim, afirmar que essas pessoas são mentalmente doentes poderia abrir caminho para que elas não fossem responsabilizadas por seus crimes.

“Isso geraria um problema muito sério porque justamente as pessoas mais perigosas não poderiam ser penalizadas e essa é outra razão pela qual eu sou contra a classificação da psicopatia como uma doença mental”, afirma o psiquiatra.

Transtorno de personalidade antissocial

A psicopatia não é considerada um transtorno. Tecnicamente, pessoas com esse perfil podem ser enquadado dentro do transtorno de personalidade antissocial, que se caracteriza por um padrão de desrespeito ou violação dos direitos dos outros. Essas pessoas tendem a mentir, infringir leis, agir impulsivamente e desconsiderar sua própria segurança ou dos outros. Os “psicopatas” são pessoas com um quadro mais grave dentro dessa classificação, e não uma classificação à parte, como explica o neuropsicólogo Antonio de Pádua Serafim, coordenador do Núcleo de Psiquiatria e Psicologia Forense (NUFOR) do Instituto de Psiquiatria (IPq) da USP.

“O termo “psicopata” não está inserido nos quadros de transtornos mentais. A psicopatia é usada para descrever um agravo da personalidade antissocial. Dentro das personalidades antissociais, existiria um percentual de pessoas que teriam características mais agravadas, intensas e frequentes. Ou seja, eles seriam mais insensíveis, mais manipuladores e totalmente sem empatia”, diz o neuropsicólogo

Ainda segundo Serafim, dentre os psicopatas existem vários segmentos. “A pessoa pode ser um criminoso, um homicida ou até um mega empresário de sucesso porque dadas essas características de insensibilidade, manipulação, ausência de remorso, ele passa por cima de tudo e leva vantagem”, explica.

Entre a população em geral, cerca de 1% das pessoas se qualificam como tendo comportamento psicopático, enquanto entre os executivos seniores, essa taxa sobe para 3,5%.

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Destaques Psicologias do Brasil, com informações do jornal O Globo.
Imagem de capa: Reprodução.






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