Tragédias e traumas: as consequências para a saúde mental

Uma nova semana acaba de se iniciar, mas será que a iniciaremos da mesma maneira que iniciamos a anterior? A semana que passou foi marcada por inúmeras tragédias e mesmo aqueles que não costumam possuir o hábito de acompanhar jornais e notícias, se viu sentado em frente à TV tentando mais do que assimilar fatos, mas principalmente, associar dentro de si a quantidade de óbitos decorrentes de massacres, ataques terroristas, desastres naturais e não naturais.

Do que estamos falando? Vamos elaborar uma pequena retrospectiva para aqueles que perderam alguma das tristes notícias:

  • 10/3/19: Um avião do modelo Boeing 737 MAX cai poucos minutos após decolar na Etiópia. O acidente deixou 157 mortos e é o segundo dentro de 5 meses deste mesmo modelo.
  • 11/3/19:Fortes chuvas isolaram cidades de São Paulo deixando alguns bairros literalmente debaixo d’água além de provocar inúmeros alagamentos. Foram 750 chamadas registradas pelo corpo de bombeiros e registro de 12 mortos.
  • 13/3/2019:2 ex alunos invadem a escola Raul Brasil localizada em Suzano portando grande quantidade e variedade de munição e indiscriminadamente iniciam um massacre, deixando 10 mortos (incluindo atiradores). Há vítimas que ainda se encontram hospitalizadas.
  • 14/3/19:Na Nova Zelândia, um terrorista transmite ao vivo em sua rede social seus próprios passos e disparos: invade duas mesquitas em horários oportunos deixando 49 mortos.

Diante de tantas tragédias que surpreendem a todos em nível internacional e, em uma única semana, quais aspectos de nossa saúde mental demandam cuidados e atenção neste momento?

Frequentemente recebo pacientes que se queixam de quadros persistentes de depressão ou ansiedade e ao investigar seu histórico identifico que estes quadros são decorrentes da ausência no passado de cuidados diante de algo manifestado anteriormente: transtorno de estresse pós-traumático. E, por muitos já terem vivido o episódio de trauma em questão há muito tempo, se quer associam que o que enfrentam agora deriva-se de resíduos que não foram cuidados em seu passado.

O que é o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT)?

O transtorno de estresse pós-traumático é um dos transtornos de ansiedade que, como o próprio nome sugere, se manifesta após a exposição a um evento traumático que ameaçou sua integridade ou a de terceiros. Trata-se de fatos que despertaram medo, horror, desamparo e principalmente temores sobre sua própria vida.

Quais os sintomas característicos da manifestação de um quadro de TEPT?

Entre os diversos sintomas que o TEPT pode desencadear, vale mencionar como principais:

  • lembranças intrusivas angustiantes, recorrentes e involuntárias do evento traumático;
  • sonhos angustiantes;
  • reações dissociativas (flashbacks), nas quais o indivíduo sente ou age como se o evento estivesse ocorrendo novamente;
  • sofrimento psicológico intenso e prolongado;
  • evitação persistente de estímulos associados ao evento como, por exemplo, esforçar-se para evitar recordações e lembranças, evitar lugares ou meios de transporte;
  • incapacidade de recordar algum aspecto importante do evento (ter um “branco”, “lacunas de memórias”);
  • crenças ou expectativas negativas persistentes e exageradas a respeito de si mesmo;
  • estado emocional negativo e persistente (medo, pavor, raiva, culpa ou vergonha);
  • cognições distorcidas persistentes a respeito da causa ou das consequências do evento, que levam o indivíduo a culpar a si mesmo;
  • redução de interesse e participação em atividades;
  • distanciamento emocional;
  • comportamento irritadiço;
  • surtos de raiva;
  • comportamento imprudente ou autodestrutivo;
  • hipervigilância;
  • prejuízos na concentração;
  • perturbações do sono.

Que tipo de situações frequentemente manifestam sintomas e evolução do quadro de TEPT?

Qualquer situação que possa ameaçar a integridade de alguém pode favorecer o desenvolvimento de TEPT, mas algumas delas são fortes indicadores do desenvolvimento do transtorno:

  • agressão física
  • assalto
  • furto
  • abuso sexual (estupro, penetração sexual forçada, penetração sexual facilitada por álcool/drogas, abuso sexual infantil)
  • sequestro ou ser mantido como refém
  • ataque terrorista
  • tortura
  • desastres naturais (enchentes, terremotos, furacões)
  • acidentes (automobilísticos, aéreos)

Apenas as vítimas afetadas diretamente a situação de trauma podem desenvolver este transtorno?

A resposta é não! Qualquer pessoa que tenha sido direta ou indiretamente exposta a situação traumática pode desenvolver sintomas que evoluam para manifestação do quadro, e, quando mencionamos pessoas indiretas, consideram-se até mesmo: familiares, amigos, ou aqueles que possam ter sido expostos inúmeras vezes aos relatos ricos em emoções e detalhes, no caso de socorristas, policiais, voluntários e até mesmo expectadores que acompanharam a notícia na íntegra participando a distância de toda movimentação.

Por que este movimento ocorre?

Aqueles que não foram vítimas diretas, mas que testemunharam o fato ou que possuem um forte vínculo com a vítima, sofrem dos mesmos temores intensamente, tornando-se real em sua memória e fantasia a construção do crime ou tragédia. Enquanto os profissionais e expectadores, ao receberem uma extensa carga de informações ricas e detalhadas, carregadas de emoções, não conseguem muitas vezes impedir a construção da experiência com muita vivência e intensidade em sua mente, ou então, projetam tais sensações vividas na experiencia imaginada como possível de ocorrer a qualquer momento em sua vida. 

 

Tratamento

Principalmente quando nos deparamos com grandes grupos que foram expostos a uma tragédia como no caso da escola de Suzano, é possível realizar trabalhos em grupo através da psicoterapia breve focal onde serão utilizadas técnicas como a EMDR e TFT. A contribuição em grupo permite que aqueles que o integra através da percepção de cada um consiga integrar fragmentos de memórias, ressignificar culpas, medos e, utilizadas estas técnicas, é possível que a memória vivida, intensa e colorida da tragédia vá perdendo a cor e em algumas aplicações deixe de ser uma lembrança incomoda, intrusiva, persistente e presente para aquela pessoa.

Durante a vivência em grupo, é possível compartilhar também ideias que de alguma maneira façam aquelas pessoas encontrarem uma forma de simbolizar e elaborar o que ocorreu. O gesto é fundamental para elaboração do luto podendo ser um memorial, plantio de árvores, as fotos das vítimas, tendo o sentido de homenagem e respeito por suas memórias.

Além de trabalhos em grupo, é indicado que exista a busca pelo psicólogo para psicoterapia breve focal individual (que costuma envolver 12 sessões) a qual mantém seu foco na vivencia da experiencia traumática, prevenindo a evolução do quadro de transtorno de estresse pós-traumático e, como mencionei no início do artigo, prevenindo que posteriormente a pessoa sofra por quadros intensos de ansiedade ou depressão.

O acompanhamento e amparo psicológico precoce reduz significativamente o desenvolvimento de TEPT ou outros transtornos, mas, quando os sintomas demonstram-se persistentes e contribuem para prejuízos nos aspectos emocionais, físicos e sociais é indicado que um médico psiquiatra realize uma avaliação para verificar a necessidade de suporte medicamentoso.

 

Maitê Hammoud

Psicóloga Clínica

CRP 06/112988

www.maitehammoud.com.br






Psicóloga Clínica, Formada pela Faculdades Metropolitanas Unidas, com curso de aperfeiçoamento em Psicanálise pelo Instituto Sedes Sapientiae. Atendimento de adolescentes, adultos e terceira idade. Vivência clínica com violência doméstica, transtorno de personalidade borderline, transtorno de estresse pós-traumático, psicossomática, processo e elaboração de luto, depressão, ansiedade, relacionamentos interpessoais, drogas, entre outros.