Antes de uma virtude moral, o perdão é um bem terapêutico.

PERDOAR não é um ato de mero esquecimento, como se fosse possível extirpar da memória lembranças profundamente dolorosas. Ao contrário, quem perdoa se recorda da ofensa recebida, mas sem sentir aquela angústia que oprime a alma. Seja por ter ouvido palavras torpes, seja por ter vivenciado situações descabidas, seja ainda por ter ‘comido o pão que o outro amassou’, sabe-se quão custosa é a tarefa do perdão. Só o concedemos porque não sofremos de amnésia.
PERDOAR pressupõe processos e, junto desses, um amplo desenvolvimento psíquico. Mesmo assim, o exercício do perdão não se dá apenas em consequência dos avanços, mas também em decorrência dos retrocessos. O orgulho ferido pode fazer com que retornemos à condição de magoados, inclusive, por temer a opinião desfavorável de amigos, familiares e, até mesmo, de estranhos. Muitas são as vozes depreciativas que veem no perdão uma desonra, cuja culpa jamais deve ser remida. Daí nasce o rancor, sob a forma da vingança, amargando qualquer possibilidade da reconciliação.
PERDOAR é uma necessidade da alma humana. Isso se não quisermos adoecer psíquica e fisicamente. Quem dera se ele viesse de repente, sem muito esforço, como em um passe de mágica. Assim anseiam as nossas fantasias infantis. Quanta ilusão! A duras penas a realidade nos faz compreender que o perdão não surge de uma vez só nem pode ser obtido a força. Com o passar do tempo, mediante a paciência que amadurece, nos libertamos da força repressiva imposta pela mágoa.
PERDOAR não é um gesto de gente fraca. Haja fortaleza para exercê-lo. Talvez, o ressentimento nem seja tanto com o ofensor, mas conosco. Sobretudo, por nos sentirmos impossibilitados de absolver a ofensa por vontade própria. Se fácil é condenar, difícil mesmo é perdoar. Às vezes, a dor se apresente de forma tão intensa que não temos condições psicológicas de tocá-la sozinhos. Faltam-nos recursos de enfrentamento. Daí há se de contar com a contribuição terapêutica de um psicólogo. Isso porque feridas necessitam de acompanhamento. Depois da dor vem a cicatriz, sinalizando que o ferimento foi curado. Na verdade, a chaga cicatrizada existe para nos recordar do seguinte: “as pessoas fazem com a gente o que a gente deixa e até quando a gente deixa” (PEOPLE, 2011, s. p.).
PERDOAR nos humaniza e amadurece. Passada a idealização projetiva, por meio de repetidas decepções, vem o entendimento sobre as luzes e sombras, os amores e ódios que integram as relações humanas. Essas polaridades demonstram não só a grandeza dos relacionamentos, como também a pequenez que lhes é própria. Com o perdão a dívida afetiva fica sanada. Diante dela não há vítima, muito menos algoz, apenas o reconhecimento do vínculo que se rompeu: ou o reatamos ou o cessamos.
PERDOAR nos conduz ao estabelecimento de certos limites, como forma de impedir que o dano passado se repita no presente. Pode ser que brote também o reconhecimento de que não há mais condições de seguirmos com as mãos dadas. Imediatamente, é selado o caminho individual que cada um terá que trilhar. Não raras vezes, será necessário manter a distância que educa o transgressor, não permitindo que o perdão dado seja banalizado.
De acordo com os religiosos, o perdão é visto como a remissão da culpa contraída, ao modo de uma dívida existencial, carecendo sempre de indulto e absolvição. Já em termos psíquicos, o perdão é vivenciado enquanto libertação do domínio do outro.

Sim! Ao perdoarmos nos livramos da dor que engaiola a esperança e deixamos de ser controlados pelo ressentimento que escraviza as profundezas do nosso ser. Como tal é um benefício terapêutico, um modo salutar de “nos desligarmos do passado” (CAVALLI, 2005, p. 161).
O perdão não é concedido só para “abrandar a culpa do ofensor” (BENEDITO, 2015, s. p.). Ele existe para findar com a dor do ofendido. Fica, portanto, o lembrete: a lembrança constante da ofensa é uma enfermidade para a alma. O ato de recordar perenemente do ocorrido nos apunhala pelas costas, não o fato em si. Por ora, muito além de uma virtude, perdoar é uma questão de saúde mental.

Paulo Crespolini, psicólogo – CRP 06/132391 – graduado em Filosofia e pesquisador em Psicologia Analítica.

Textos profissionais: facebook.com/conflitopsiquico

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENEDITO, V. L. Dy Y. (Org.). Terapia de casal e de família na clínica junguiana: teoria e prática. São Paulo: Summus, 2015, 280 p.

CAVALLI, T. Psicologia Alquímica: receitas antigas para viver num mundo novo. Tradução de Carlos Augusto Leuba Salum e Ana Lúcia da Rocha Franco. São Paulo: Cultrix, 2005, 339 p.

PEOPLE, N. Visão masculina. Programa Todo Seu. São Paulo, s. p., 31 mai. 2011.






Psicólogo - CRP 06/132391 Possui graduação, com licenciatura plena, em Filosofia, pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2004), atuando nos seguintes temas: história da filosofia moderna, movimento iluminista, crise eclesiológica e razão científica. Com formação em Teologia (2009), pelo Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás, tem se dedicado às pesquisas sobre a concepção materialista-dialética da história e, ao mesmo tempo, sobre Ética e Filosofia Política. Ainda na Teologia obteve resultados significativos no estudo da Filosofia da Religião em Andrés Torres Queiruga e na instituição metafísica da atividade religiosa. Na Psicologia (2015) a pesquisa esteve centrada em duas áreas concomitantes, ambas fundamentadas na analítica de Carl Gustav Jung, a saber: a psicopatologia do religioso constelada em uma polaridade devoradora do divino: fenômeno associado e possível suscitador de transtornos mentais.