A beleza dos acontecimentos mora  no olhar de quem os enxerga.

A felicidade é muito democrática, já pensaram sobre isso? Ela, justamente, por ter um conceito individualizado, está ao alcance de todos. Ocorre que, equivocadamente, incorremos nessa ideia de associá-la ao ter dinheiro, ao ter coisas, ao ter poder, ao ter beleza, ao ter sucesso enfim. Não estou afirmando que esses requisitos não possam ser aliados da felicidade, não é isso. Contudo, eles, por si só, não são garantias para tê-la. O que percebo é que a felicidade é muito mal interpretada, mal compreendida e, com frequência, desperdiçada. Talvez, por “glamourizar” demais essa dádiva, não a percebemos em nosso cotidiano, contudo, ela fica bem palpável quando a perdemos de vista, justamente por buscá-la longe da simplicidade.

Certamente, você já ouviu, pensou ou verbalizou a frase “ah, eu era tão feliz e não sabia”. Eis aí o X da questão, a felicidade e o cotidiano se misturam então, só a percebemos quando nos distanciamos daquilo que, por ironia do destino, não demos o devido valor. Sabe quando você se depara com um filho ou alguém querido  doente, acamado num leito de hospital? Bem, nessa circunstância, você se dá conta do quão feliz foi ao ter seu filho bagunçando pela casa, enquanto sentia-se estressado(a) clamando por sossego. Pois é, a saúde é uma amostra da felicidade. Contudo, nem sempre a valorizamos devidamente. Por vezes, é necessário perdê-la para nos conscientizarmos do quão rico somos por tê-la.

Particularmente, já vivi tantas felicidades recheadas de simplicidade. Eu só pude perceber a riqueza dessas vivências, tempos depois, olhando à distância, um passado cheio de saudades. Verdadeiras tatuagens que carrego na alma. Uma das  viagens mais felizes que já fiz  não foi internacional, tampouco fiquei hospedada em hotel de luxo. Foi uma que fiz passando por longos trechos de estradas de chão,  num poeirão terrível e um sol escaldante de agosto.

O que fez aquele viagem tão feliz? Bem, eu estava ao lado de um grande amor e tudo tornou-se incrível. As músicas que ouvíamos, a atmosfera de cumplicidade e  paixão, a expectativa de chegarmos à minha terra natal e o abraço da  minha mãe esperando por  mim. A paisagem natural não tinha beleza,  estava tudo seco, queimadas para todo lado, mas eu  consegui enxergar beleza em tudo.

Atuando como  Bombeira, pude constatar, de perto, a queda do  mito de que ter dinheiro, é, necessariamente, ter felicidade. Atuei em muitas ocorrências em mansões fenomenais tentando evitar suicídios em todas as faixas etárias. Lamentavelmente, me senti impotente em muitas delas. Era tarde demais, o fato estava consumado. Ao redor da vítima, o luxo imperava, na garagem, uns 6 carros importados, contudo, as vidas que ali habitavam estavam com a alma na mais absoluta miséria.

Já presenciei, também, o oposto dessa realidade em minha atuação profissional. Já vi moradias bem simples, pobres do ponto de vista do conforto e da estrutura. Contudo, em seus interiores, vi pessoas extremamente felizes e gratas. Pessoas que sorriam com os olhos porque só com a boca não era suficiente. Numa visita que fiz à uma família levando  orientação sobre o controle do mosquito da dengue, uma senhora  veio toda eufórica me confidenciando a realização de  um sonho: fez  o contrapiso do pequeno quintal para as crianças brincarem com mais higiene.

Em 2015,  meu  irmão que teve a perna amputada num acidente de trânsito. Esse acontecimento foi o meu maior aprendizado sobre gratidão que tive na vida. Eu  nunca vi meu irmão reclamar pela perna perdida. Pelo contrário, ele sente uma gratidão tremenda por ter ficado vivo. É que sua moto chocou-se na lateral de uma carreta numa BR, logo, o fato de ele ter sobrevivido pode ser perfeitamente encarado como um milagre.

Então escolheu  agradecer pela vida que foi preservada ao invés de se lamentar pelo membro que perdeu. Durante o tempo em que ficou internado no hospital, os parentes ligavam querendo saber do ocorrido, e ele respondia: “eu tô bem, só perdi uma perna.” Ele falava da perna amputada como quem fala de uma unha quebrada, era o que parecia. Eu me dei conta de que nenhum guru em autoajuda nesse mundo me ensinará mais sobre gratidão e resiliência do que meu irmão que tem apenas a quarta série primária.

É isso, a felicidade é algo que mora dentro da gente, mas a gente insiste em procurar desesperadamente em outros quintais. A nossa capacidade de encarar os revezes da vida e ressignificá-los é o que faz a diferença. Diante disso, um mesmo acontecimento ganha significados diferentes para pessoas diferentes. O que para um significa o fim, para o outro significa a chance de recomeçar.

Imagem de capa: Shutterstock/stockfour






Sou uma mulher apaixonada por tudo o que seja relacionado ao universo da literatura, poesia e psicologia. Escrevo por qualquer motivo: amor, tristeza, entusiasmo, tédio etc. A escrita é minha porta voz mais fiel.