Mentiras fazem com que o cérebro se adapte à desonestidade com o tempo
Brasil, Brasília, DF. 23 /10/2013. O deputado, Eduardo Cunha (PMDB RJ), discursa na tribuna da Camara dos Deputados, durante votação da renegociação das dividas de estados e municípios com a União. - Crédito:DIDA SAMPAIO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE/Código imagem:179091

Por Daniel Mediavilla

Os seres humanos, ou pelo menos a maioria deles, contam com mecanismos biológicos que dificultam os comportamentos desonestos. Quando mentimos, experimentamos vários tipos de excitação emocional que fazem com que nos sintamos mal. Essas reações podem ser medidas e são a base dos detectores de mentiras. Alguns pesquisadores demonstraram até que é possível derrubar com fármacos as barreiras fisiológicas contra a transgressão. Em uma experiência com estudantes de 1964, foi observado que quando tomavam um medicamento simpaticolítico, que bloqueia os sinais associados com o comportamento desonesto, tinham o dobro de probabilidade de enganar durante um exame do que aqueles que tomaram placebo.

Um bom número de análises mostrou que a resposta a um estímulo que provoca uma emoção enfraquece com o tempo. A repulsa que pode provocar a violência ou a ilusão da paixão perdem intensidade quando são experimentadas muitas vezes. Um grupo de pesquisadores da University College London comprovou que isso também ocorre com as sensações associadas a burlar as normas morais, um fenômeno que poderia explicar como se pode chegar a cometer atos desonestos graves a partir de outros que, a princípio, parecem irrelevantes.

Em um artigo publicado na revista Nature, os autores colocaram à prova os participantes de vários experimentos que tinham a oportunidade de mentir para obter benefícios pessoais a custa de outros. Os voluntários, 80 pessoas entre 18 e 65 anos, deviam estimar, junto a um companheiro ao qual não viam, a quantidade de dinheiro contida em um recipiente. Foram apresentadas várias situação. Na primeira, os indivíduos deviam se aproximar ao máximo do valor real para que os dois se beneficiassem. Em outras fases do jogo, passar da quantia ou ficar aquém dela era algo que beneficiaria o participante às custas de seu companheiro, ou que beneficiaria o companheiro às custas do participante ou ainda que beneficiaria um dos dois sem prejuízo para o outro. Com este jogo, os cientistas observaram que as pequenas desonestidades para obter um ganho às custas do parceiro aumentavam progressivamente.

Em resumo: desonestidade gera desonestidade, aponta o estudo

Além disso, parte dos participantes teve sua atividade cerebral medida através de ressonância magnética funcional. Assim, foi observado que a resposta da amídala, uma região do cérebro na qual se processam as reações emocionais, era mais intensa na primeira vez que os participantes enganavam seus companheiros. Essa reação, no entanto, ia se atenuando nas fases posteriores do jogo, e os autores eram capazes de prever o nível de desonestidade de um indivíduo a partir da redução da atividade na amídala na prova anterior.

“Em conjunto, nossos resultados revelam um mecanismo biológico por trás da escalada de desonestidade”, apontam os autores do estudo. “Os resultados mostram os possíveis perigos de cometer pequenos atos desonestos, perigos que se observam com frequência em âmbitos que vão desde a política aos negócios ou à força da lei”. Por fim, eles concluem que esse conhecimento sobre o funcionamento dessa ladeira escorregadia da desonestidade pode ajudar a melhorar as políticas para evitar a corrupção.

TEXTO ORIGINAL DE EL PAÍS






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