Natal, consumo e depressão

O fim de ano vai chegando avassalador com seus recortes. Por um lado, tem-se a praça da alegria falsa. Compras por todo o lado em todas as classes sociais, ninguém deixa de tirar um pedaço do seu tempo e do seu dinheiro tayloristas para ir gastando até o último dia do ano.

Desde que o consumo aumentou sua autoridade sobre os consumidores, estes não param de andar pra lá e pra cá em busca de uma lembrança, seja para o chefe, marido, filhos, cunhadas, primos, ex-cunhados, porteiro, garçon, colegas ocultos que trabalharam com você o ano todo. É um excesso perigoso. Pela armadilha que nos traz de presente colada ao símbolo de Papai Noel. Gordo, velho e sorridente.

As crianças querem pedidos, os velhos querem carinho, os de meia idade querem beber também. Aí, a festa aumenta e se prolonga nos bares de todas as cidades do mundo. É uma festa instituída pelo capitalismo. Antes, a história pendia mais para a festa católica celebrando o nascimento de Jesus Cristo. Mas, há cerca de quarenta anos desde o último século, a coisificação dos objetos de desejo fizeram do Natal a grande hit parade. “Seja rico, seja pobre, o velhinho sempre vem”. O rei chegou e mandou todos comprarem para uma total satisfação imediatista e fugaz de prazeres, sem tempo de se abraçar com vontade, com a mão no copo e outra no verão.

E aqueles que não curtem a festa? E todos os excluídos dessa louvação epicurista ao sabor e à sagrada família? Sem que o leitor saiba, a grande parcela da sociedade tem seus membros excluídos. O tio sem filhos, a moça solteira, o pai viúvo, a mulher velha e sem filhos, os eus que se somados entram em depressão e choram escondidos e calados para não atrapalhar a festança.

É preciso estar atento a estes que não falam de Natal nem participam da euforia insana de shopping centeres, compras embaladas com sucesso extraordinário. Bem, seria preciso escutar estas almas mais sensíveis e coerentes ao seu viver. Natal se tornou sinônimo de comilança e  brigas familiares. Há de se preservar algo dentro de si. A alma. O destino da humanidade tecido no dia a dia de 365 dias. A ausência, a solidão, o inverso desta festa pagã. É preciso tomar cuidado das almas caladas, do coração carente e descuidado de tantos que desconhecemos na multidão. Não, o Natal definitivamente não é uma data alegre. É uma farsa, uma armadilha que se repete aos nossos olhos com aquelas estrelinhas e pisca-pisca de tantas árvores coloridas em lares preto e branco.






Fernanda Luiza Kruse Villas Bôas nasceu em Recife, Pernambuco, no Brasil. Aos cinco anos veio morar no Rio de Janeiro com sua família, partindo para Washington D.C com a família por quatro anos durante sua adolescência. Lá terminou o ensino médio e cursou um ano na Georgetown University. Fernanda tem uma rica vida acadêmica. Professora de Inglês, Português e Literaturas, pela UFRJ, Mestre em Literatura King´s College, University of London. É Mestre em Comunicação pela UFRJ e Psicóloga pela Faculdade de Psicologia na Universidade Santa Úrsula, com especialidade. Em Carl Gustav Jung em 1998. É escritora e psicóloga junguiana e com esta escolha tornou-se uma amante profunda da arte literária e da alma, psique humana. Fernanda Villas Bôas tem vários livros publicados, tais como: No Limiar da Liberdade; Luz Própria; Análise Poética do Discurso de Orfeu; Agora eu era o Herói – Estudo dos Arquétipos junguianos no discurso simbólico de Chico Buarque e A Fração Inatingivel; é um fantasma de sua própria pessoa, buscando sempre suprir o desejo de ser presente diante do sofrimento humano e às almas que a procuram. A literatura e a psicologia analítica, caminham juntas. Preenchendo os espaços abertos da ficção, Fernanda faz o caminho da mente universal e daí reconstrói o caminho de volta, servindo e desenvolvendo à sociedade o reflexo de suas próprias projeções.